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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Circo das Dores



 
Imagem: retirada da Internet


A dor é um abismo.
Eu sou a equilibrista.
Ora caio, ora suporto o risco
De não mais voltar à vida.
Dizem que a dor tem sua utilidade.
Mas ainda não descobri qual.
O que me consola é saber que
como diria Machado de Assis,
“nem mesmo a dor é constante.”
Nem teria como ser diferente 
Nesse chão movente 
Que não se perde sem ganhar,
Nem se ganha sem perder
Não sei dizer se a dor é arte de ilusionismo. 
Não saberia dizer qual dor dói mais:
A real ou a ilusória.
Será que alguma delas é real ou
É apenas produto da mente que mente?
Não saberia dizer: a dor que invento é tão real...
Eu sinto o gosto do medo adstringente
Permanecer em minha boca.
Eu me contorço para evitar o contato 
Da fria faca do serrador que vai penetrando
a caixa de fundo falso.
Eu sou feita em pedaços frente à platéia,
 Mas continuo inteira, escondida.
Contorço-me de volta ao meu lugar,
Mas minha mente continua dividida
 Entre a verdade que eu represento 
E a realidade que eu vivo.
O que posso fazer para me libertar da mentira que criei?
Vou brincar de ser palhaço,
Mas não consigo rir por inteiro.
Eu rio por fora, mas dentro continuo 
A me equilibrar sobre o abismo.
Vou então ser clown.
Criar outra dor que possa desfazer as outras
E me permitir rir por dentro 
De minha miséria e da dos outros.
Vou usar o lirismo dos clowns de Shakespeare
Como diria Manoel Bandeira.
Não me contento em maquiar,
Quero estar imersa no abismo
E sentir as dores e as alegrias que eu tentei sufocar.
Quero enfrentar o real
E deixar cair as máscaras
E os artifícios ilusionistas.
Eu preciso da verdade do abismo.
Talvez, assim, eu consiga rir inteira.

(Millena Cardoso de Brito)