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domingo, 7 de setembro de 2014

Uma Prisão sem grades

Aprisionei-me dentro de mim. Fujo do prazer, e revolvo a dor para desvendar nela vestígios de uma alegria masoquista. Exponho-me a doer, arrisco a perder a vida entre as paredes da minha velha casa. Dentro de mim, existe uma vontade enorme de quebrar as correntes que me prendem, mas quando uso a razão percebo que elas não existem.      
   
Minha mãe nos últimos dias alertou-me sobre o meu jeito torto de amar as pessoas, e de como eu sou irritantemente fechada no meu mundo. Sim! Eu criei um mundo apenas meu, e poucos conseguem penetrá-lo. Desde que tomei consciência de mim, esse mundo vem sendo construído, sensações, conceitos, desejos, são alguns dos elementos que o compõem, além de histórias de muitos “eus” misturados a uma essência de mim que  eu mesma desconheço, mas venho desvelando ao longo dos anos.  

Desde criança sou sensível ao extremo, até a morte de uma formiga me fazia chorar. Minha mãe sempre gostou de plantas e tinha um belo jardim, recheado de suculentas – eu posso dizer suculentas, pois eu comia as pétalas eh eh - rosas de várias cores: vermelhas, rosas, amarelas, e as brancas, que eram as minhas preferidas. Na minha fantasia infantil, eu comparava onde eu morava com um palácio, em razão de ter aquele jardim tão florido e perfumado. Era no jardim de minha mãe que eu passava horas a conversar com as plantas, tocá-las, cheirá-las, e também confabular o que elas diziam, ou falavam entre elas, quando eu não estava por perto. Ao perceber que a beleza das flores era tão frágil, pois um dia elas estavam lindas, mas se não regadas, ou qualquer vento mais forte, ou mesmo o passar de poucos dias, faziam que a formosura delas fenecesse, sentia com isso uma angustia inexplicável. Eu sempre amei as rosas.  E, apesar de, agora ser uma mulher de 26 anos, continuo a ter a certeza de que sou correspondida nesse amor.

No jardim da minha infância, devassei pensamentos escondidos, criei, recriei, construí, reconstruí estórias sobre a vida, a morte, abismos e pontes. Certo dia, declarei-me para uma flor e pensei comigo mesma, gravando as seguintes palavras dentro de mim: “A beleza das flores diz que o amor respira, tem perfume e chora o murchar das pétalas caídas, secas pelo tempo e que o vento leva...”.

Não apenas de jardim construí meu mundo paralelo, onde eu sou a dona, mas também de estrelas, músicas, do carinho do olhar e das palavras cheias de afeto de minha mãe e do meu pai; das brincadeiras de bola, peteca, bicicleta e outras, com meu irmão, vizinhos, primos, amigos; tudo isso e muito mais. Sobre todas essas coisas, o que mais me marcou mesmo foi a amizade que fui aprofundando com Deus, e com os mistérios espirituais. Eu fui apresentada ao Criador do Céu e da Terra por meus pais, com a influência preponderante de minha mãe, uma mulher muito católica e de uma fé inabalável. 

Cresci indo à contra gosto no início da minha infância e adolescência para as missas, mas aquele pãozinho branco que o homem de bata longa levantava todos os domingos no altar, intrigava-me, e também a enorme cruz que ficava na frente do altar, também roubava, por muitos minutos, durante a celebração católica, a minha atenção. Não poucas eram as vezes que eu ficava com o olhar parado, pensando sobre aquela imagem cheia de significados, imaginava quanta dor o homem que a figura representava tinha sentido, pulsos transpassados por pregos; uma simples picada de agulha de injeção fazia-me estremecer e contorcer-me de uma dor, não sei se imaginada, ou real, imagine ser transpassada por pregos!! Era assustador pensar nisso, tão intensas eram minhas reflexões nesses momentos, que me perdia em pensamentos, ficava a olhar para o nada, quase em transe, sem conseguir pensar em nada, e sentia algo estranho, um vazio, um desapego de mim.

Não só de rosas, e boas recordações construí meu mundo, mas também do abismo das incertezas, de muros, solidão, medo, e dor... A vida não é fácil para ninguém, e conservo algumas marcas de minhas batalhas perdidas e vencidas durante a vida que tracei com passos errantes. Superei muitos traumas, e situações em que fiquei de cara com a morte. A morte sempre foi um dos meus grandes medos desde a infância. Minha mãe conta para mim que quase morri na maternidade.  Ela estava deitada no quarto do hospital, depois da cirurgia de cesariana, e eu fiquei ao seu lado, porém ela estava sob o efeito de anestésico, e não me viu tentando erguer a cabeça do berço procurando ar. Um amigo de minha mãe chegou para visitar-nos, e deparou-se com meu desespero na tentativa de levantar sozinha a cabeça. Então, ele gritou e acordou a minha mãe, e saiu em busca de uma enfermeira. Em seguida, o auxílio desejado chegou, e eu fui levada para enfermaria, onde desobstruíram minhas vias nasais que estavam cheias de secreções.

Essa foi a primeira vez que me deparei com a morte. A segunda, eu mesma fui atrás dela, eu tentei suicídio aos 16 anos. Mas, fui socorrida por meus pais que me internaram às pressas. Acredito e sinto até hoje que fui salva por Deus. A partir desse acontecimento, procurei ir ao encontro da pessoa que tanto me intrigava desde a infância, mas que nunca tinha tido a coragem, nem a sensibilidade de aproximar-me dele. Muitos intelectuais, cientistas, tem certa dificuldade em acreditar naquilo que não veem, eu nunca tive esse problema, porém sempre fui uma questionadora e teimosa nata, e isso foi um dos maiores obstáculos para que eu mergulhasse de vez nos mistérios infinitos da Criação.

Para mim é muito doloroso vivenciar o mau que existe dentro de mim e das outras pessoas. Sempre lutei muito contra tudo que considerava e considero errado: mentiras, injustiças, desonestidade, desamor, e por aí vai. A visão simplista de seguir à Deus para ir para o céu nunca me agradou. Sentia que fazer uma coisa boa para ser recompensava era uma forma de comércio de bens imateriais. A intensidade da minha alma não se contentaria com essa visão de Deus. Um cara que era Tudo e um pouco mais, ser infinito, Pai amoroso que deixa seu Filho amado vir para Terra para ensinar seres tão fragilmente perdidos a encontrar o caminho da salvação, mesmo sabendo que vai ter que permitir que ele sofra, e seja morto cruelmente, merece mais do que um coração interesseiro. Acho interesse sim, querer dar algo na certeza de receber em troca, interesse no mal sentido da expressão mesmo.

Quantos dias e noite eu senti meu coração arder por uma voz desconhecida, e apenas depois de ter experimentado o abismo, eu tive forças para ir ao encontro dessa voz tão doce e, ao mesmo tempo, implacável. A voz do Criador. Meu Senhor e meu Deus. Mais de uma vez, eu pude olhar nos olhos do homem transpassado. Jesus Cristo acolhe-me em seus braços, e diz muitas palavras que não poderia escrever em uma linguagem inteligível. Eu fui aprisionada pelo amor de Jesus Cristo, sua mãe, o nosso Pai Criador, e os consolos do Espírito Santo. É assim que meu mundo aos poucos está sendo revelado.

Mas, minha fragilidade humana ainda é uma prisão. O amor infinito que guardo em meu peito não, muitas vezes, consegue expandir-se, nem tocar as pessoas que precisam dele, o casulo da minha alma ainda não foi rompido. Eu tenho medo da intensidade desse amor que plantei em mim, pois conheço a minha natureza imperfeita e a dos meus semelhantes. Foi essa natureza que crucificou Jesus e continua a crucificá-lo quando nós nos esquecemos do amor de Deus e optamos pelo caminho errado...

Espero ter a coragem suficiente para deixar Deus fazer o que quiser comigo. Para que eu deixe que meu Senhor Jesus quebre as correntes imaginárias, mas tão reais dos meus pensamentos doentios, lance fora todos os sentimentos e lembranças que me sufocam. Apenas assim, poderei enfim voar em liberdade rumo aos céus infinitos do amor divino.

Escrevi uma poesia sobre a minha sensação de sentir-me deslocada neste mundo

Um mundo contraditório

Sinto que esse mundo não é o meu.
Não me pertenço.
A carcaça humana prende-me neste mundo vão,
mas minh’alma sente necessidade de sair,
Voar a procura do ninho de origem.
Há um precipício entre eu e mundo.
Mundo contraditório e fugaz
que deixou em mim vestígios
de sua vil existência.
Sim! Sou humana e frágil.
Não há como negar!
Já que há em mim
a presença de sentimentos vis e mesquinhos
concebidos no mundo,
produzidos pelas idéias da nossa parte obscura,
sombra da nossa impureza,
que tenho por estar no mundo.
Porém, não consigo aceitar esse meu lado,
mas também não me livro dele.
Sinto-me perseguida pelo meu lado obscuro,
algemada às concepções humanas.
Contudo, não posso deixar-me levar
pelas verdades mentidas do mundo.
Por isso, procuro meu mundo,
um mundo em que eu seja
Verdadeiramente feliz,
um Mundo ao qual eu pertença.

(Millena Cardoso de Brito)


Crédito: Millena Cardoso de Brito 



                                                        




                                                                                                                            

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