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terça-feira, 30 de setembro de 2014

Será que é amor?

Respostas

Não me perguntes se te amo
apenas olhes dentro dos meus olhos
e encontrarás todas as respostas que precisas.
Pois teu olhar parece arrancar minh'alma,
perco-me perto de ti.
Para que usar palavras,
se meus olhos não conseguem
esconder o abandono fiel
que transmitem na tua presença?
Tu faz-me despir de toda a hipocrisia
para perder-me sem reservas
nos teus braços,
e ainda perguntas?

(Millena Cardoso de Brito)

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Em tempos de Guerra...

Olhou sem conseguir compreender o que representava aqueles destroços do que antes era sua casa, sua vida. A garota de apenas 5 anos tinha ouvido falar dos rumores de uma tal guerra que assolava sua cidade, mas a ternura dos familiares e o convívio com os amigos, dissipava a preocupação de que algum mal pudesse atingir os lugares e pessoas que ela tanto amava. A menininha, ao ouvir falar da guerra tempos atrás, perguntou para a sua mãe, uma boa senhora que a havia criado desde que ela foi abandonada recém-nascida na porta da casa onde viveu seus primeiros anos:
- Mãe! O que é guerra? Meus amigos falam que os pais deles vão deixar a cidade, pois essa coisa está chegando, é verdade? Estou com tanto medo...
A boa senhora respondeu com o tom mais amável que conseguiu tentando esconder seu olhar de pânico ao ouvi aquela palavra:
- Guerra é uma coisa muito feia, é uma briga que faz muitas pessoas perderem a vida, as guerras afastam as pessoas das coisas e pessoas que amam, e deixam muita gente ferida e triste.
A menina olhou espantada, e agarrou-se a saia da mãe, colocou sua cabeça pequenina no ventre estéril da mulher que se  tornou sua mãe de coração, e começou a chorar. A mãe acariciou os cabelos negros e encaracolados da filha e, novamente, com um grande esforço para não demonstrar nenhuma sombra de medo, começou a falar da fé que nutria sua alma, da esperança que tinha em um Deus de infinita bondade, que tinha enviado o seu filho querido para morrer por nós, da importância de acreditar no imenso amor do nosso Pai do céu e em seu Filho. A mãe também relembrou o dia que colocou a menina pela primeira vez nos braços, após escutar seu choro entre as plantas do jardim da casa. Ela retirou o bebê, enrolado em uma manta branca, dentre as samambaias que faziam parte do seu jardim nos fundos da casa.
Nesse dia , ao ir levar o cachorro da família, o Rex, para passear, o seu marido tinha esquecido a porta dos fundos aberta. A senhora tinha ficado em casa preparando o café da manhã de domingo, e ao ouvir um barulho semelhante a um choro pensou ser o marido que tinha esquecido algo e voltava com o Rex choramingando. Sua surpresa foi grande quando viu tão pequeno pedaço de gente entre as suas plantas, pegou-a no colo, e como mágica sentiu-se envolvida de um sentimento que procurava sentir há anos, enquanto procurava encontrar soluções para vencer sua dificuldade de engravidar. Foi amor ao primeiro toque, o cheirinho da menina invadiu todos os seus sentidos e a fez sentir-se como uma leoa a partir daquele momento, forte e determinada a proteger aquela criança tão pequenina e frágil.
Quando seu marido chegou em casa, tomou um tremendo susto ao perceber que não havia apenas uma mulher em sua casa, mas duas. Os dois conversaram- longamente- sobre os desafios que deveriam enfrentar para adotar aquele bebê de origem desconhecida, mas nenhum deles os fez recuar diante do horizonte de ternuras imensas que vislumbraram ao pensar na possibilidade de terem uma criança para enfim poderem exercer o papel que tanto ansiavam: pais.
Ao ouvir e olhar para sua mãe falando com os olhos que a faziam lembrar os seus doces preferidos, seu coração acalmou-se, podia sentir o calor de cada uma daquelas palavras, que descortinavam um mundo tão bonito e cheio de encantos já pressentidos por sua alma. O que mais chamou a atenção da garota foi sua mãe falar sobre criaturas aladas que tinham a missão de ajudar a Deus na proteção das pessoas e do mundo. As palavras de fé e esperança da mãe de Madalena dissiparam os pensamentos tristes que o significado da guerra havia deixado no ânimo da garota. Maria também falou da origem do nome da menina, Madalena foi batizada com este nome em homenagem a uma das mulheres bíblicas que depois de sofrer pelas suas escolhas erradas e ser marginalizada pela sociedade da época de Jesus, converteu-se ao cristianismo. Madalena prestou atenção a cada uma das explicações sobre a religião de seus pais, ela mesma já havia feito várias perguntas para as suas catequistas sobre a família que diziam que ela tinha no céu. porém, aquela foi a primeira vez que se sentiu à vontade para perguntar tantas coisas que desconhecia. Então, ela percebeu que, em muitos momentos, nem sua mãe sabia ao certo responder suas perguntas, mas a certeza que sua mãe transmitia em cada um dos seus gestos e na forma de falar, não deixava dúvidas no seu coração de que gostaria de conhecer e provar mais do amor de um Deus tão amoroso.A menina calou uma pergunta carregada de esperança pueril, será que Deus pode acabar com a Guerra? E pensou consigo mesma "Vou falar com Ele mais tarde", e sorriu de si para si.
Ao relembrar esses fatos não conseguia compreender o porquê daquelas ruínas. Ela tinha pedido tanto para Deus cuidar da casa que tanto amava! Seu desespero foi maior ao saber que naquele dia, como sua mãe precisava arrumar as coisas para embarcarem para outra cidade, pois os bombardeios estavam se aproximando cada vez mais de onde moravam, ela não tinha ido buscá-la na escola e poderia estar embaixo de algum daqueles destroços. Correu aflita para perto dos restos da casa onde morou seus primeiros anos de vida, e com as mãos pequeninas cavou, cavou, como se com aquela atitude pudesse ter o poder de voltar no tempo, e reconstruir o que havia perdido. Os bombeiros retiram a menina aos prantos daquela atividade inútil, sua tia que a havia trazido da escola não menos abalada, perguntou sobre o acontecido ao chefe das operações de resgate. O homem forte, e com um ar frio falou em um tom sorumbático e com um sotaque de inglês norte-americano carregado, porém compreensível:
- Sinto muito, mas não conseguimos socorrer sua irmã. Quando chegamos o marido de sua irmã havia entrado na casa, e horas depois houve um desabamento, também não tivemos como socorrê-lo.
Nesse momento, tia e sobrinha ficaram a olhar para o vazio, sem reação, após um curto tempo de inércia, caíram uma nos braços da outra. Madalena, mais uma vez, conseguiu iludir a atenção dos presentes, e ao deixar os braços da tia, correu para os fundos da casa em destroços, e viu um corpo estendido no chão coberto por um saco preto, uma cor que naquele momento foi mais clara do que qualquer palavra para definir morte. Sentiu que os bombeiros aproximavam-se, mas não se intimidou, correu para junto do corpo estendido de braços apertos, como o Cristo do crucifixo que sempre trazia sobre o peito, ao lado seu lado o bom e velho Rex trouxe um pouco de conforto, lambendo o seu rosto. Haviam muitos destroços por perto, mas mesmo assim, levantou com suas mãozinhas sujas o pano preto, e vi os olhos petrificados do homem que tanto amou na Terra. Mais uma sensação percorreu todo seu corpinho franzino, pensou que ia desmaiar, mas seu fiel amigo canino, novamente a confortou com uns olhos que pareciam compreender tudo e sentir cada um dos dolorosos golpes que sentia partir seu coração. O cão lambeu mais uma vez as faces, além de molhadas, agora, sujas da garota e  como se dissesse para garota não se preocupar com o pai, pois ele ficaria bem, lambeu o sangue que jorrava da fronte de seu companheiro de passeios matinais. 
Pouco depois, os passos da tia e da equipe de resgate chegaram ao fundo da casa em ruínas, e depararam-se com a cena. Até mesmo o homem de ar frio, sentiu que algo de humano sobrevivia dentro dele, uma sensação de desolação o fez estremecer, apesar de já ter presenciado vários acontecimentos trágicos como aquele. A tia de Madalena aproximou-se e levou a garota, que sem forças para resistir , deixou-se levar para um abrigo destinado aos sobreviventes do ataques daquela tarde. No dia seguinte iriam rumo à cidade mais próxima, onde já havia um grupo refugiados em uma fazenda de propriedade da Igreja Católica Apostólica Romana.


Acompanhe a continuação da história na próxima postagem!

Crédito: imagem retirada do sítio eletrônico Terra, uma foto de AP

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O peso da consciência

Pensar

Digo o que não se deve dizer.
Palavras com vida própria,
sedentas de luz,
suaves ou amargas,
surgem sem etiquetas.
Palavras que ferem, envenenam, despertam, curam..
Pensar dói.
A dor de pensar
e presenciar, na superfície da consciência,
os homens sangrando a decadência das horas,
tombam os indivíduos de incabível verdade.
A escuridão sufoca a luz.
A realidade acena em rostos fugidios,
imagens transfiguram-se em sombras,
pensamentos transpassam minha mente 
em ímpetos de dor e de medo.
Faz frio.
Sinto que o descortinar da realidade
é envolvente, mas doloroso.
O que não sabia podia pressentia,
mas meu sentir era de mais suave,
entorpecido pela voz de um silêncio acalentador.
Mãos invisíveis tocavam-se enquanto meus olhos não viam o mundo.
Ao chegar à superfície, ouço o grito cego dos instintos.
Acostumado com a lama,
a mão que golpeia
parece afagar.
Mãos sem firmeza, colhem restos de esperanças 
junto ao chão árido.
A chuva molha o segredo das horas.
O chão prende e massacra.
Dias incertos.
Precipício, redenção.
Tudo impele ao desespero,
calando não consegues plantar
e morres na solidão.
Incautas almas!
O horizonte não tem fim...
Sabe que existe:
a luta começou.

(Millena Cardoso de Brito)

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Monólogo Dramático

Precipício

Jogar-me de um precipício, 
matar-me!..
Isso não posso fazer,
não sou uma suicida,
não conseguiria matar-me,
sei que não.
Não por covardia,
pois me matar seria a covardia maior,
mas por quem amo.
Tenho que lutar contra as sombras.
Não posso ser covarde a tal ponto de desistir da vida.
Sigo nas horas por entre nuvens escuras de um temporal.
Apenas, alguns raios de luz conseguem ultrapassar a escuridão.
Não entendo!
Quando tudo parece tão claro,
há sempre uma névoa que volta a incomodar.
Nem tudo passou,
o espelho continua virado,
não sei o que restou de mim.
Meu sentir tornou-se uma avalanche
de sentimentos contraditórios.
O veneno foi posto à mesa,
as facas clamam por meu sangue.
A morte me chama,
chama-me,
e eu não tenho forças nem de ir tocá-la.
Deixo-me levar atônita
pelo turbilhão das ondas do destino,
se esse existe nem me importa saber...
Espero apenas um fim...
talvez tão insignificante
quanto o meu próprio nascimento.
O que posso dizer de tudo o que vejo?
Não é difícil compreender...
toda essa dor...
O próprio Universo me entende,
até o Eterno se revolta com esse mundo.
Preferiria não ter nascido
do que ter que ver toda essa gente destruir-se.
Meu enterro foi consumado,
espero apenas o dia da Ressurreição.
Na esperança da alegria de dizer que
tudo valeu a pena,
até a morte.
Morro na vida até chegar a morte do corpo
e alcançar o tão ansiado 
Universo sem dor, nem medo,
o descanso total,
ou chegar a esperança dos que creem
na felicidade absoluta.
Muito sangue já foi derramado,
o que falta para o desfecho
desta tragédia humana?!
Ainda respiro,
sem saber até onde ou aonde irei chegar...

(Millena Cardoso de Brito)


crédito:uma imagem da Internet

domingo, 14 de setembro de 2014

Amor aprisionado

Esta poesia escrevi em 2006. Eu tinha uns 18 anos e estava em uma fase de transição para vida adulta. A maioria das garotas da minha idade já tinha tido algum tipo de relacionamento amoroso, mas eu nenhum, nem nada que chegasse perto disso. "Ficas", ou seja, parceiros momentâneos, namoros, não fizeram parte dessa fase da minha vida.
Eu ia para festas, dançava, e algumas vezes até bebia algo alcoólico, e tive até meus momentos de rebeldia adolescente, porém nunca me senti confortável para participar da prática moderna de beijar a boca de um desconhecido, sem saber nem o nome dele. Eu preciso saber quem é o outro, conversar, prescrutar os sinais que o corpo dele me dizem, passar dias convivendo com um alguém que me desperte um sentimento, e não apenas uma atração física. Sempre pensei assim. Acho que esse meu desejo tem um pouco do romantismo das donzelas dos contos de fadas, aprisionadas na torre dos seus pensamentos e vontades.
A realidade é bem diferente dos contos de fadas. Eu vi e ouvi tantas mulheres e pessoas reclamarem de sofrerem tanto por amor, que eu passei a fugir de manter relações de apego com coisas e pessoas. Sempre tive medo de magoar-me afetivamente.Por isso, o isolamento, muitas vezes, tornou-se meu refúgio contra as desilusões.
Hoje, com 26 anos, eu sinto que errei na dose de superproteção ao meu coração, que mesmo com todas as precauções foi ferido várias vezes. Amei e não arrisquei ser dispensada. Amei e não fui amada. Amaram-me, mas não consegui corresponder. Fui covarde no amor, porém nunca enganei a mim, nem aos outros sobre o penso sentir.
Nunca desejei ter um relacionamento, apenas para não ficar sozinha, mas sim para concretizar a fantasia de viver uma história de amor de verdade. Eu sei que fugir de envolver-me emocionalmente com as pessoas não vai ajudar-me a encontrar o amor que anseio. Percebi que é preciso ter a coragem de entregar o que você tem de mais precioso dentro de si. Não ter medo de amar e ser amada, não ter medo do sofrimento, da desilusão, pois as tristezas devem ser refletidas, pensadas, vividas,saboreadas para que estejamos prontos para a verdadeira felicidade. Percebi não posso desistir de mim, nem do que acredito. O amor aprisionado durante tantos anos dentro de mim, precisa ganhar forma, expandir-se, romper as barreiras que persistem em proibi-lo de ir aonde e/ou onde é necessário ir. O poema que escrevi, na adolescência, mostra a angústia de um amor aprisionado:

Estio

Semente plantada em um chão de ilusão,
dando frutos mortos.
Coração medrando a qualquer toque,
por medo de ninguém ser alguém
por quem a dor desate,
as lágrimas guardadas
por alguma desilusão.
As marcas de alguma
mágoa sem perdão.
Na aridez dos sentimentos,
nas madrugadas vazias,
sem calor no frio,
o meu coração seca.

(Millena Cardoso de Brito)

domingo, 7 de setembro de 2014

Uma Prisão sem grades

Aprisionei-me dentro de mim. Fujo do prazer, e revolvo a dor para desvendar nela vestígios de uma alegria masoquista. Exponho-me a doer, arrisco a perder a vida entre as paredes da minha velha casa. Dentro de mim, existe uma vontade enorme de quebrar as correntes que me prendem, mas quando uso a razão percebo que elas não existem.      
   
Minha mãe nos últimos dias alertou-me sobre o meu jeito torto de amar as pessoas, e de como eu sou irritantemente fechada no meu mundo. Sim! Eu criei um mundo apenas meu, e poucos conseguem penetrá-lo. Desde que tomei consciência de mim, esse mundo vem sendo construído, sensações, conceitos, desejos, são alguns dos elementos que o compõem, além de histórias de muitos “eus” misturados a uma essência de mim que  eu mesma desconheço, mas venho desvelando ao longo dos anos.  

Desde criança sou sensível ao extremo, até a morte de uma formiga me fazia chorar. Minha mãe sempre gostou de plantas e tinha um belo jardim, recheado de suculentas – eu posso dizer suculentas, pois eu comia as pétalas eh eh - rosas de várias cores: vermelhas, rosas, amarelas, e as brancas, que eram as minhas preferidas. Na minha fantasia infantil, eu comparava onde eu morava com um palácio, em razão de ter aquele jardim tão florido e perfumado. Era no jardim de minha mãe que eu passava horas a conversar com as plantas, tocá-las, cheirá-las, e também confabular o que elas diziam, ou falavam entre elas, quando eu não estava por perto. Ao perceber que a beleza das flores era tão frágil, pois um dia elas estavam lindas, mas se não regadas, ou qualquer vento mais forte, ou mesmo o passar de poucos dias, faziam que a formosura delas fenecesse, sentia com isso uma angustia inexplicável. Eu sempre amei as rosas.  E, apesar de, agora ser uma mulher de 26 anos, continuo a ter a certeza de que sou correspondida nesse amor.

No jardim da minha infância, devassei pensamentos escondidos, criei, recriei, construí, reconstruí estórias sobre a vida, a morte, abismos e pontes. Certo dia, declarei-me para uma flor e pensei comigo mesma, gravando as seguintes palavras dentro de mim: “A beleza das flores diz que o amor respira, tem perfume e chora o murchar das pétalas caídas, secas pelo tempo e que o vento leva...”.

Não apenas de jardim construí meu mundo paralelo, onde eu sou a dona, mas também de estrelas, músicas, do carinho do olhar e das palavras cheias de afeto de minha mãe e do meu pai; das brincadeiras de bola, peteca, bicicleta e outras, com meu irmão, vizinhos, primos, amigos; tudo isso e muito mais. Sobre todas essas coisas, o que mais me marcou mesmo foi a amizade que fui aprofundando com Deus, e com os mistérios espirituais. Eu fui apresentada ao Criador do Céu e da Terra por meus pais, com a influência preponderante de minha mãe, uma mulher muito católica e de uma fé inabalável. 

Cresci indo à contra gosto no início da minha infância e adolescência para as missas, mas aquele pãozinho branco que o homem de bata longa levantava todos os domingos no altar, intrigava-me, e também a enorme cruz que ficava na frente do altar, também roubava, por muitos minutos, durante a celebração católica, a minha atenção. Não poucas eram as vezes que eu ficava com o olhar parado, pensando sobre aquela imagem cheia de significados, imaginava quanta dor o homem que a figura representava tinha sentido, pulsos transpassados por pregos; uma simples picada de agulha de injeção fazia-me estremecer e contorcer-me de uma dor, não sei se imaginada, ou real, imagine ser transpassada por pregos!! Era assustador pensar nisso, tão intensas eram minhas reflexões nesses momentos, que me perdia em pensamentos, ficava a olhar para o nada, quase em transe, sem conseguir pensar em nada, e sentia algo estranho, um vazio, um desapego de mim.

Não só de rosas, e boas recordações construí meu mundo, mas também do abismo das incertezas, de muros, solidão, medo, e dor... A vida não é fácil para ninguém, e conservo algumas marcas de minhas batalhas perdidas e vencidas durante a vida que tracei com passos errantes. Superei muitos traumas, e situações em que fiquei de cara com a morte. A morte sempre foi um dos meus grandes medos desde a infância. Minha mãe conta para mim que quase morri na maternidade.  Ela estava deitada no quarto do hospital, depois da cirurgia de cesariana, e eu fiquei ao seu lado, porém ela estava sob o efeito de anestésico, e não me viu tentando erguer a cabeça do berço procurando ar. Um amigo de minha mãe chegou para visitar-nos, e deparou-se com meu desespero na tentativa de levantar sozinha a cabeça. Então, ele gritou e acordou a minha mãe, e saiu em busca de uma enfermeira. Em seguida, o auxílio desejado chegou, e eu fui levada para enfermaria, onde desobstruíram minhas vias nasais que estavam cheias de secreções.

Essa foi a primeira vez que me deparei com a morte. A segunda, eu mesma fui atrás dela, eu tentei suicídio aos 16 anos. Mas, fui socorrida por meus pais que me internaram às pressas. Acredito e sinto até hoje que fui salva por Deus. A partir desse acontecimento, procurei ir ao encontro da pessoa que tanto me intrigava desde a infância, mas que nunca tinha tido a coragem, nem a sensibilidade de aproximar-me dele. Muitos intelectuais, cientistas, tem certa dificuldade em acreditar naquilo que não veem, eu nunca tive esse problema, porém sempre fui uma questionadora e teimosa nata, e isso foi um dos maiores obstáculos para que eu mergulhasse de vez nos mistérios infinitos da Criação.

Para mim é muito doloroso vivenciar o mau que existe dentro de mim e das outras pessoas. Sempre lutei muito contra tudo que considerava e considero errado: mentiras, injustiças, desonestidade, desamor, e por aí vai. A visão simplista de seguir à Deus para ir para o céu nunca me agradou. Sentia que fazer uma coisa boa para ser recompensava era uma forma de comércio de bens imateriais. A intensidade da minha alma não se contentaria com essa visão de Deus. Um cara que era Tudo e um pouco mais, ser infinito, Pai amoroso que deixa seu Filho amado vir para Terra para ensinar seres tão fragilmente perdidos a encontrar o caminho da salvação, mesmo sabendo que vai ter que permitir que ele sofra, e seja morto cruelmente, merece mais do que um coração interesseiro. Acho interesse sim, querer dar algo na certeza de receber em troca, interesse no mal sentido da expressão mesmo.

Quantos dias e noite eu senti meu coração arder por uma voz desconhecida, e apenas depois de ter experimentado o abismo, eu tive forças para ir ao encontro dessa voz tão doce e, ao mesmo tempo, implacável. A voz do Criador. Meu Senhor e meu Deus. Mais de uma vez, eu pude olhar nos olhos do homem transpassado. Jesus Cristo acolhe-me em seus braços, e diz muitas palavras que não poderia escrever em uma linguagem inteligível. Eu fui aprisionada pelo amor de Jesus Cristo, sua mãe, o nosso Pai Criador, e os consolos do Espírito Santo. É assim que meu mundo aos poucos está sendo revelado.

Mas, minha fragilidade humana ainda é uma prisão. O amor infinito que guardo em meu peito não, muitas vezes, consegue expandir-se, nem tocar as pessoas que precisam dele, o casulo da minha alma ainda não foi rompido. Eu tenho medo da intensidade desse amor que plantei em mim, pois conheço a minha natureza imperfeita e a dos meus semelhantes. Foi essa natureza que crucificou Jesus e continua a crucificá-lo quando nós nos esquecemos do amor de Deus e optamos pelo caminho errado...

Espero ter a coragem suficiente para deixar Deus fazer o que quiser comigo. Para que eu deixe que meu Senhor Jesus quebre as correntes imaginárias, mas tão reais dos meus pensamentos doentios, lance fora todos os sentimentos e lembranças que me sufocam. Apenas assim, poderei enfim voar em liberdade rumo aos céus infinitos do amor divino.

Escrevi uma poesia sobre a minha sensação de sentir-me deslocada neste mundo

Um mundo contraditório

Sinto que esse mundo não é o meu.
Não me pertenço.
A carcaça humana prende-me neste mundo vão,
mas minh’alma sente necessidade de sair,
Voar a procura do ninho de origem.
Há um precipício entre eu e mundo.
Mundo contraditório e fugaz
que deixou em mim vestígios
de sua vil existência.
Sim! Sou humana e frágil.
Não há como negar!
Já que há em mim
a presença de sentimentos vis e mesquinhos
concebidos no mundo,
produzidos pelas idéias da nossa parte obscura,
sombra da nossa impureza,
que tenho por estar no mundo.
Porém, não consigo aceitar esse meu lado,
mas também não me livro dele.
Sinto-me perseguida pelo meu lado obscuro,
algemada às concepções humanas.
Contudo, não posso deixar-me levar
pelas verdades mentidas do mundo.
Por isso, procuro meu mundo,
um mundo em que eu seja
Verdadeiramente feliz,
um Mundo ao qual eu pertença.

(Millena Cardoso de Brito)


Crédito: Millena Cardoso de Brito 



                                                        




                                                                                                                            

Maldade

Minha visão sobre a maldade humana em forma de versos em desalinho:

O germe do mal

Nas zonas malditas de solidão e dor,
Obstruída a passagem ao corredor do paraíso,
os devaneios vêm se refugiar
no obscuro da mente.
Irracionalidade latente em olhar sombrio.

Enganastes os teus irmãos,
mas não conseguistes enganar a ti mesmo.
Ilusão desfeita entre incontáveis olhares vazios.

Perdes a alma a sensibilidade
ao se deparar com a crueldade 
dos teus semelhantes.

O cadáver apodrecido vem aterrar
teus sentidos mais íntimos.

O Mau anda a espreitar nas sombras
e precisas lutar contra 
a tua própria natureza.

És teu próprio inimigo.
Tinhas esperanças que as misérias tivessem um fim.

Doce ilusão!

Agora, apenas, presencias o teu próprio fim...

(Millena Cardoso de Brito)