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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Canibal

Crédito: Foto retirada da Internet

Eu gosto de comer o seu corpo.
Não me sacia a autofagia.
É deliciosa a sensação de sua pele
Contra os meus dentes,
Senti-lo se dissolvendo 
Quando eu sugo a sua carne.
Parece um desejo perverso,
Mas é enganoso pensar assim.
Eu gosto de me saciar com a sua vida.
A sua carne é só um pretexto,
Um convite para você me habitar.
Não é suficiente o nutrir do prazer solitário,
As minhas mãos não alcançam 
O pleno desejo. 
É escavar o vazio
Simular o instante mais cheio de vida 
Sem o alicerce que o sustenta.
Sinto náuseas com o prazer incompleto, 
Eu busco na sua carne
Completar inteiramente 
O momento irrepetível da nossa união
Com o Divino.


 (Millena Cardoso de Brito)



quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Meus adoráveis conhecidos



O que mais me apavora na morte é o desconhecido.
Fui criada para não dar muita atenção a ele.

- Minha filha, não fale com desconhecidos.

E eu sigo a tentar obedecer ao que foi dito no meu jeito subversivo
De ser e de perceber o mundo.
Como iria abraçar a Morte, uma desconhecida? 
Já a dor todos os dias senta a minha mesa.
Nunca quis muito papo com essa conhecida implacável,
Mas ela nunca desistiu de mim.

Com a convivência me senti obrigada a encará-la
E notei que suas faces não eram apenas tristeza.
Em seu rosto desfigurado havia algo de belo,
Um emaranhado cintilante de desejos contraditórios.

A dor devora as minhas refeições diárias.
A sua fome insaciável me rouba as forças.
Após comer toda a minha comida à mesa,
Ela muitas vezes levanta
E tão qual Hannibal abre a minha caixa craniana
E devora os meus miolos,
Sem que isso tire a minha vida,
E experimento uma semi-consciência perturbadora.
Todos os dias, o mesmo jantar macabro.

Até o dia em que a convivência trouxe
Uma relação de dependência
Com a minha adorável conhecida.
Eu me familiarizei com o seu jeito rude
E a sua fome devoradora.

Foi então que veio sentar-se à mesa
Um novo companheiro.
Em trajes galantes, maneiras joviais e divertidas,
Ele se sentou ao nosso lado.
Eu não o conhecia pessoalmente,
Mas muito tinha ouvido
Sobre o atraente convidado da dor.

Ele não era tão desconhecido,
Eu sempre tive muita curiosidade de conhecê-lo.
As histórias que me contavam dele
Me despertavam do torpor da fome
Que a dor me provocava.
Eu mesmo o tinha visto de longe
Encantada pelos risos e pela excitação
Que ele incitava a sua volta.

Ele sentou ao meu lado
E pude ver seu lindo sorriso.
Eu estranhei seu modo gentil.
E não tardou para ele perceber
Meu jeito arredio.
Acho que isso o atraiu,
Pois notei que acompanhava
Todos os meus movimentos
Com um interesse incomum.

O convidado da dor ao contrário dela
Comia apenas o suficiente.
Ele tentou dividir comigo o alimento,
Mas não aceitei.
Eu estava acostumada a ver
Toda a refeição tragada pela dor.
Era estranho aceitar os favores de um mero conhecido.

A minha amiga dor a princípio tentou
Discutir com seu convidado por esse seu gesto.
Eu mesma não entendia o interesse do belo convidado,
Acostumada a rude companhia da dor,
Não admitia as investidas do sujeito.
Mas, ao mesmo tempo, me sentia atraída
Pelo tão belo cavalheiro.

A dor com o tempo foi o deixando ficar mais tempo
E eu desenvolvendo uma relação doentia 
Com a minha amiga dor
E o seu convidado o prazer.



(Millena Cardoso de Brito, 2016)